O auxílio emergencial está chegando ao fim sem que o governo federal tenha conseguido tirar do papel o plano de criar um novo programa social. Por isso, milhões de brasileiros que, hoje, dependem dos R$ 300 para sobreviver, já estão sem saber como vão pagar as contas do próximo mês, visto que o desemprego continua elevado e o novo coronavírus ainda limita o trabalho de muitos informais.
Economistas já projetam, portanto, avanço da pobreza, aumento do desemprego e desaceleração do crescimento econômico brasileiro no início de 2021. De acordo com o calendário de pagamentos da Caixa Econômica Federal, os depósitos do auxílio emergencial chegaram a quase 68 milhões de pessoas e se encerram no próximo dia 29.
Por isso, brasileiros como Wenne Rodrigues da Silva, 30 anos, já se dizem desamparados. “A gente vive desse pouco dinheiro que o governo fornece”, explica ela, que está desempregada e cuida sozinha de dois filhos pequenos. Moradora de Águas Lindas de Goiás, Wenne diz que está disposta a trabalhar com o que aparecer para sair dessa situação — “babá, cozinheira, auxiliar de cozinha, de tudo um pouco, eu faço” —, mas lembra que não está fácil achar um trabalho.
A situação é parecida na casa de Raquel Cardoso, 37. Moradora de Valparaíso, ela está desempregada e é mãe de cinco filhos, inclusive uma de recém-nascida. “Não sei o que vai ser, tenho um bebê para cuidar e não posso deixá-lo sozinha para trabalhar, pois até hoje eu o amamento. Esse dinheiro foi o que garantiu a compra de comida, pagamento de contas básicas e o mínimo que precisávamos para sobreviver”, lamenta. Ela torce para que o filho mais velho consiga alguns bicos para levar dinheiro, ainda que pouco e incerto, para casa. Mas admite: “É triste estar na minha situação e não saber o que fazer”.
Mesmo os trabalhadores informais, no entanto, têm se deparado com rendimentos insuficientes. A diarista Verônica Rodrigues, de 42 anos, por exemplo, diz que, hoje, só tem duas diárias garantidas. Por isso, estava contando com o auxílio emergencial para se manter. E, agora, não sabe como vai conseguir fazer a feira, pagar o aluguel, as contas de água e de luz da casa em que vive
com a filha em Águas Lindas. “Quem trabalha de diarista, hoje, tem; amanhã, não tem”, conta.
O tamanho do desespero já começou a ser visto nos últimos dias, quando filas voltaram a se formar nas agências da Caixa Econômica Federal nos dias de depósito do auxílio emergencial. Mas, de acordo com analistas, ficará ainda mais evidente nos próximos meses.
POBREZA – Economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/ Ibre), Daniel Duque, por exemplo, calcula que a extrema pobreza, que já atinge 13,6 milhões de brasileiros, vai crescer e pode até dobrar no Brasil no início de 2021. “O fim do auxílio emergencial vai colocar mais cinco milhões de pessoas na pobreza e na pobreza extrema, em relação ao período anterior da pandemia, porque o mercado de trabalho ainda está longe de se recuperar, principalmente, para a população informal”, explica.
Duque calcula que a extrema pobreza, que considera as pessoas que vivem com menos de US$ 1,90 por dia e atingia 6,9% da população brasileira em 2019, caiu para 3,3% em meio à pandemia de covid-19 por conta do auxílio emergencial. Porém, pode alcançar algo em torno de 10% a 15% dos brasileiros no próximo ano, atingindo mais de 20 milhões de pessoas. Já a pobreza, que considera as pessoas que vivem com menos de US$ 5,50 por dia e atingia 24,7% da população brasileira no ano passado, deve variar entre 25% e 30% da população em 2021.
Com isso, o Brasil ainda deve sofrer uma elevação da taxa de desemprego, que já bateu o recorde de 14,6% nos últimos meses. Segundo o professor de economia do Insper e CEO da Siegen, Fabio Astrauskas, o desemprego pode chegar a 20% em 2021, com a entrada de 7 milhões de brasileiros na busca por uma ocupação. Isso significa que o número de pessoas que estão na fila do desemprego no país saltaria dos atuais 14,1 milhões para cerca de 20 milhões.